Nascido a 20 de dezembro de 1944 em Copacabana, Rio de Janeiro, Sérgio Santeiro, como muitos na época, chega à atividade cinematográfica através do cineclubismo enquanto estudava Sociologia e Política na Pontifícia Universidade Católica. Santeiro teria seus primeiros filmes repetidamente premiados no mitológico Festival JB, começando a trabalhar em equipes de alguns filmes produzidos pelo Cinema Novo com quem mantem relações estimulantes mas polêmicas, marcantes em todo seu trajeto. Um dos mais inquietos e inventivos criadores do cinema brasileiro, passa a atuar em defesa do curta-metragem, participando em 1973 da fundação da ABD -Associação Brasileira de Documentaristas, que espalha nacionalmente essa luta, presidindo de 1981 a 1983 a ABD-RJ e de 1997 a 1999 a ABD nacional. Cineasta e poeta, porém mantem uma importante atividade como articulista em órgãos chave na vida cultural da cidade, o Jornal de Ipanema, depois o Globo e finalmente o CineImaginário, além de escrever para revistas e suplementos, tendo como tema absolutamente prioritário, entre muitos, o cinema brasileiro. Professor de cinema no Parque Lage e depois no Departamento de Cinema da Universidade Federal Fluminense, onde teria, no final dos anos 1970, sua atuação interrompida pela polêmica provocado por um filme que faz sobre a própria universidade, Universidade Fluminense, retornando ao já então Departamento de Cinema e Vídeo da UFF nos anos 1990, dessa vez de forma duradoura. Seus filmes apontam diversos caminhos mas de um só e peculiar ponto de vista, documentários, mesmo institucionais, bem construídos e estéticos, ao lado de filmes vanguardistas praticamente inclassificáveis, entre abordagens na mesma moeda de artistas inconformistas, ao pequeno cinema de planos sequências e personagens obsessivos entre piadas e delírios, representados por artistas sempre sabiamente escolhidos, José Wilker, Paulo José, Hugo Carvana, ou por ele mesmo. Como um intelectual orgânico dirige o Departamento de Cinema e Vídeo da UFF de 1996 a 1999, e depois o Instituto de Arte e Comunicação Social da Universidade, de que faz parte o Departamento, de 1999 a 2003, de quando em quando realizando um filme que acrescenta a seu particular repertório.
Filmografia
. Paixão, curta-metragem, ficção, 16mm, p&b, 1966. “o Paixão é uma parábola do golpe de 64. Ele foi feito em 66. São três personagens, um filme mudo, com música apenas. São três personagens, um agitador de favela, que é filmado na favela, fazendo discurso; um professor. que é filmado dando aulas numa universidade, na PUC, evidentemente, e um profeta, que fala pro mar, fala pra lagoa. E eles vão sendo sucessivamente perseguidos, vão fugindo nos espaços que eles ocupam, depois eles trocam de espaço. Um aparece aqui, outro aparece ali, até que um deles, justamente o profeta, o que fala pros peixes, ele se volta para revidar a perseguição, é metralhado e aí morrem os três. É a história do filme. Mas eu gosto muito dele. Eu costumo dizer, embora não seja muito recomendável, que é a melhor coisa que eu fiz na vida. E realmente é.” Com Mario Prieto (professor), Wilson de Moura (agitador) e José Wilker (projeta).
. O Guesa, curta-metragem, ficção, 1969, feito a partir de um poema do maranhense Sousândrade que junta relatos mitológicos atribuídos a índios colombianos com dados biográficos. “Um personagem que é (…) sacrificado e arrancado o coração para o deus sol. É uma criança de 15 anos de idade que é criada especialmente para essa função. E ele, Sousândrade, se coloca na figura deste personagem que na hora que era conduzido para o sacrifício ele foge e ele passa pela história do mundo perseguido pelos sacerdotes para cumprir o ritual. (…) É um longo poema autobiográfico. É um poema de treze cantos, uma coisa enorme, inacabado, incompleto, inconcluso. E ele efetivamente se coloca. É autobiográfico, só que é um autobiográfico sócio-biográfico e não psico-biográfico. Então o que acontece é que ele acaba contando. Tem um trecho grande que ele reconstitui a história do Brasil.”. Produção David Neves.
. A Companhia Siderúrgica Nacional, 1970 – “Didaticamente, com impressionante segurança e objetividade, Sérgio Santeiro descreve o processo por que passa o aço até sua fase final. Houve quem o confundisse, erroneamente, com um comercial bem feito. A Companhia Siderúrgica Nacional, embora aquém do excelente O Guesa (sobre Sousândarade), não desmerece em nada o talento de seu autor. Lembra, por momentos, os primeiros filmes de encomenda feitos por Resnaus.” (“Curta-metragem: rodar cativo”, José Carlos Monteiro, FilmeCultura nº 18, Jan./Fev 1971). “O grande achado do filme, na minha opinião, é que eu fiz um filme didático sobre a produção de aço. Teria uma introdução, que foi suprimida veementemente pela direção Companhia Siderúrgica Nacional, que era a inauguração da Siderúrgica Nacional do Getúlio, que era filme de arquivo, porque não podia falar do Getulio. Pô, foi o cara que …. como… Não, não pode… e suprimiram essa introdução (…) Ah,é e aí ficou só a produção de aço, uma coisa didática, que eu acho interessantíssima, e muito bem filmado pelo Roberto, umas coisas, umas apostas interessantes, tinha a chegada dos insumos pela estrada de ferro, que é um plano filmado de cima de uma ponte móvel e os trens passando embaixo. Uma grua fantástica. Tem outra grua fantástica, que é uma ponte de trinta metros. Lá em cima, eu passando mal, lá em cima daquela coisa, o Roberto achando tudo divertido, pra ele tudo era ótimo, ele ficava de cabeça pra baixo achando tudo divertido, não tinha problema nenhum. E o grande lance do filme, foi a trilha sonora do filme, os ruídos em som direto, com Walter Goulart. A gente passou lá sei lá quantos dias, filmando em som direto, os ruídos, né? Aí depois o Goulart montou na pista de ruídos, que é um show, uma festa realmente”. Fotografia Roberto Maia, som Walter Goulart. Menção honrosa III Mostra Internacional do Filme Científico do Rio de Janeiro 1971.
. A Industria do Solúvel,1971
. Klaxon, 1972. “E teve a Klaxon, que era a revista, que durante quase dois anos, um ano e meio, consolidou o movimento, digamos assim. Foi uma revista descolada, com patrocínio da Lacta, chocolates Lacta, através do, se não me engano, do Antônio de Alcântara Machado, e publicou os números. É onde se publicam textos dos livros do modernismo, artigos, críticas de cinema. (…) E tem uma antológica cena que é um artigo da revista que é chamado ‘Na redação de Klaxon’, que é a visita de um poeta parnasiano a Oswald de Andrade na redação. E Oswald de Andrade diz: “não, você está enganado, errou de redação. O que tá fazendo aqui?” Enfim, tem um diálogo lá e eu, no espírito da época, resolvi aproveitar e criei uma situação em que era o Oswald de Andrade na redação, uma ceninha de ficção, chega um poeta parnasiano, que era o Carvana, vestido de malandro, com a roupa do Quando o carnaval chegar, aquele roupa cor-de-rosa com chapéu de palha, e que declama o “Língua portuguesa”, do Olavo Bilac. Aí o Gustavo Dahl, que faz o papel de Oswald de Andrade, uma grande homenagem prestada a ele, ele diz ‘não, meu amigo, você se enganou de porta e de Andrade. Vai procurar o Mário’. Porque era aquela diferença do Oswald com o Mário, aquele ciúme, aquela inveja, brutal, aquela coisa horrorosa.” Fotografia Roberto Maia, com Gustavo Dahl e Hugo Carvana. Melhor filme Festival JB – Segundo Melhor Filme INC -1972
. Humor Amargo, curta-metragem, ficção, 35mm, 1973. “É uma brincadeira de pobre. Pobre tem que inventar uma estética, uma justificativa pra ser pobre. Então, eu fiz um filme que é um curta-metragem, que tem sete minutos de duração, feito com pontas de filmes. Então, são cinco cenas pequenas, filmadas um a um, em som direto, que eu botei a câmera atrás do vidro de projeção da Cinemateca e filmei no palco da Cinemateca. Então, a câmera comum, emprestada pelo Rosemberg, se não me engano, um dia de filmagem, ou melhor, uma noite de filmagem, com Carvana e Paulo José. Um por um, porque não tinha erro. Com Carvana e Paulo José, vai errar o quê? Se errar, eu acho que fica até melhor. E um texto, que era o texto que eu escrevi, que eram umas cenas cômicas, a meu ver. Cômica, que é aquela “só dói quando eu rio”. Umas coisas engraçadas, a meu ver. Nem tão engraçadas. E com os dois contracenando. Foi uma maravilha. Os dois são um show.” Fotografia Roberto Maia, com Paulo José e Hugo Carvana.
. Viagens pelo interior paulista, 1974, baseado no livro “A moradia paulista” de Luís Saia. Fotografia José Antônio Ventura, foto de cena e produção Ruth Toledo, locução Paulo José. Premiado no Festival JB, menção Honrosa Instituto Dos Arquitetos do Brasil 1976.
. Universidade Fluminense, curta-metragem, documentário, 1976. “O curso tinha trinta quarenta alunos, não dá pra botar todo mundo trabalhando no filme. Aí eu inventei uma série de coisas. Dividi em equipes, tinha uma equipe de decupagem… Bom, primeiro tinha o roteiro, o que seria o filme, aí eu inventei que teria uma … evidentemente que era um filme pobre, não era nenhuma Brastemp, você não tinha recursos pra gastar, era uma coisa reduzida, aí eu inventei que seria uma parte física da universidade filmada em película 35mm colorida, e uma parte, que eu chamei espiritual do filme, que seria fotografias em preto e branco, da ambiência humana da universidade. (…) Uma trilha sonora, que seriam depoimentos off, sem imagem. E uma pequena entrevista em som direto com o primeiro reitor da universidade que era vivo na ocasião. (…) Esse momento da universidade, 75, 76, foi um momento muito difícil, tinha efetivamente polícia federal plantada dentro da universidade quando a gente filmou, porque era um momento de problema político, aquelas coisas e havia um certo temor, essa coisa de estar filmando dentro da universidade, com polícia federal. Eu disse, não, imagina, não quero nem saber, só não enquadra polícia federal porque não merece (…) Aí começou o meu drama. Me chamaram pra uma reunião, onde tinha o reitor, o Marinho e esse cara. ‘O filme tá muito bom, interessante, mas tem que tirar aquela parte’. ‘Eu não tiro nada’. ‘Não, mas o filme é nosso’. ‘Então vocês tiram, eu não tiro nada, o filme está pronto, ninguém mexe. Tá pronto e acabado, está entregue. Inclusive porque o filme foi de graça. Se vocês quiserem, o minuto custa trinta mil reais, por exemplo, aí tudo bem. Vocês fazem o que quiserem, mas de graça não tira, não põe, não acontece nada, tá pronto, tá entregue e acabou-se’. Aí ficou um clima horrível. (…) E aí com essa confusão rolando, um clima horrível, e aí o diretor na época, que era o Antônio Serra de Mendonça, me chamou na sala dele e disse que infelizmente ele tinha que me demitir, que eu não tinha o atestado, que a situação não pode se prolongar, que ele sentia muito mas tinha que me demitir. Eu disse, “não faça isso, por favor, tinha que pensar melhor”. “Não, não, isso já tá decidido, não tem jeito.” “Como eu não fui contratado, você vai enlouquecer a secretária, ela não vai ter onde botar a carta de demissão”. Basta dizer, olha a gente não tá mais a fim de ver você aqui e acabou, eu fico em casa. Não tem problema nenhum. Agora me demitir é complicado, eu não fui contratado. Como é que você vai me demitir?” “Então, nada. Tchau.” E lá fui eu cuidar dos meus afazeres.” Fotografia Sergio Vilela, montagem Manfredo Caldas.
. Primeiros Cantos, curta-metragem, 4’, 1977. “Este filme é da série que eu gosto muito, que é chamado “cinema mínimo”, umas das minhas teses mais queridas, que é, de certa maneira, Humor amargo, que era nesse formato; Primeiros cantos, que era o exemplo maior desse tipo de coisa, e o Isto é Brasil (…) Então, numa discussão de gênero, é um documentário sobre mim mesmo, sobre o poeta que sou eu mesmo. E que, portanto, eu me dirijo a mim mesmo. A única coisa que tinha era o fotógrafo, Roberto Maia, mais uma vez, e o filme em som direto. (…) a câmera ficava atrás do vidro da sala de projeção, e o som era do estúdio. É um som direto diretíssimo. Com esse negócio de estúdio não tem … qualidade de som, tudo perfeito. E o filme era eu declamando uma seleção dos meus poemas. Uma seleção breve. Era um filme para ter cinco minutos, acabou com quatro minutos. Eu, quando filmei, falei mais rápido do que eu previa. Essa coisa de minutagem que você faz previamente e nem sempre bate quando está filmado. É um filme um por um, não tem repetição, com um rolo só de negativo evidentemente e poemas de pequena duração, com os dois poemas escritos na tela em letreiro. Então não tem montagem também. (…) Então tem uma coisa de luz e sombra, também imprecisável. Era uma vez, era como saísse, não tinha … Eu adoro, eu acho ótimo. E tinha o figurino também. Porque eu também, alguns dos meus, as coisas que abalam a minha mente, houve uma época – eu fiquei muito impressionado com a história do Stuart Angel – e aí houve uma época que eu resolvi com a minha mulher – a minha mulher na frente, na época era outra – mas eu resolvi que eu queria ir na loja do ateliê da Zuzu. (…) Aí eu comprei uma blusa de mulher, uma blusa com um pence aqui forte, eu era bastante magro na época e a blusa me cabia mas muito apertadinha, muito justinha. Era uma blusa com uns botões, a blusa era linda, amarela, com uns desenhos do anjo, linda a blusa, com uma gola. E eu botei no filme. E um lenço vermelho no pescoço desenhado com o anjo. Eu usei no filme. E aí fica meio esquisito, que é uma blusa muito justinha, muito coladinha e quase arrebentando e era a roupa da Zuzu.”. Fotografia Roberto Maia. Premiado no Festival JB.
. Ismael Nery”, curta-metragem, 1979. “Um grande poema dele, que é um poema pós-essencialista. Que é a melhor forma, seria a melhor forma de comentá-lo seria através desse poema. (…) Aí quando chegou o Ismael, eu disse então agora é comigo mesmo. Então eu declamo o poema, também com uma marcação a pra lá de… porque eu acho que tem isso, realmente, a declamação. Eu gosto dessas coisas, oratória, declamação. E eu convivi com os poetas marginais e uma das vertentes era exatamente a apresentação, declamação dos poemas.” Premiado na Funarte, e melhor filme Festival JB 1979.
. Isto é Brasil”, 1982. “Mas o Isto é Brasil eu tinha feito, escrito, uma série de anedotas, um pouco do jeito do “Humor amargo”, que são umas ceninhas, pequenos esquetes, muito tópicos, relacionados ao cotidiano, ao que acontecia. Um deles era um diálogo que é “o presidente e o poeta”. O Sarney era o presidente na época. “O presidente é poeta”, “não, não é”, “é, não é”, uma discussão em torno disso. Pois é. Aí, com atores que eu usei uma citação do sistema curinga do Boal que é uma invenção genial do ‘Arena contra Zumbi’, que é aquela coisa do ator que faz diversos papeis, o ator não representa um personagem, ele representa uma situação dramática. Então eu fiz com três atores, dois homens e uma mulher. (…) O décor era misto de som, um palco com uma tela no fundo, cenário neutro, cenário zero, que eu gosto, e os três contracenando, dialogando. São três planos. Um plano para cada esquete”. Fotografia José Antônio Ventura, com Ingrid Forsat, Otavio Muller, e Rodrigo Mendonça.
. Encontro com Prestes, curta-metragem, documentário, 1987. Produção Sergio Coelho, motorista Roberto Moura. Hors concours Riocine Festival 1987.
. Problema, 2003. Hors concours no Festival do Rio 2003.
. Samba em Copacabana, 2004.